Na sala vazia e silenciosa, dois monges zen, com seus mantos e cabeças raspadas, estão sentados no chão, lado a lado, pernas cruzadas. Depois de alguns instantes, o mais jovem lança um olhar surpreso e irônico para o mestre. Sereno, o velho monge comenta: “É só isso, mesmo. Não vai acontecer mais nada”.
Embora singela, a atitude de sentar sobre uma almofada (ficar em posição de lótus exige um preparo de monge) e ficar atento à própria respiração é tão fora de propósito em nossa rotina atabalhoada que é fácil se identificar com o jovem monge, perplexo e irônico, ao encará-la pela primeira vez.
Quer dizer que meditar é só parar e não pensar em nada? É.
Como afirmam os especialistas, é um não-fazer. Mas, acredite, não é fácil.
Não para ocidentais como eu e você, acostumados com a idéia de que, para resolver um assunto, o primeiro passo é pensar bastante nele.
Na meditação, a ideia é exatamente o oposto: parar de pensar, por mais bizarro que isso pareça.
Mas como é que algo assim, na contramão do pragmatismo moderno, consegue empolgar tanta gente?
Como pode haver gente capaz de pagar caro para participar de sessões de meditação – ou seja, para ficar sentado em silêncio em uma sala quase sem móveis?
A verdade é que a ciência resolveu se debruçar sobre os efeitos dessa prática, e as notícias dos laboratórios de pesquisa cada vez convencem mais pessoas a relaxar em posição de lótus.
O principal resultado dessas pesquisas pode ser resumido em duas palavras: meditação funciona.
Ou seja, aquilo que os adeptos da tradicional medicina chinesa e os mestres budistas viviam repetindo (com um sorriso bondoso no rosto) começa a ser comprovado por alguns renomados centros de pesquisa ocidentais, como as universidades Harvard, Columbia, Stanford e Massachusetts, nos Estados Unidos, e pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no Brasil.
É difícil listar as descobertas porque as pesquisas sobre a meditação alcançaram a maioridade recentemente.
Mais precisamente no ano 2000, quando o líder do budismo tibetano, o Dalai Lama (sempre ele), encontrou-se com um grupo de psicólogos e neurologistas na Índia e sugeriu que os cientistas estudassem um time de craques em meditação durante o transe, para ver o que ocorria com seus corpos.
Os cientistas abraçaram o desafio e, desde então, as pesquisas não param de produzir surpresas.
Já se sabe, por exemplo, que meditar afeta, de fato, as ondas cerebrais. Sabe-se também que isso tem efeitos positivos sobre o sistema imunológico, reduz a tensão e alivia a dor.
“Três décadas de pesquisas mostraram que a meditação é um bom antídoto ao estresse”, diz o jornalista e psicólogo americano Daniel Goleman, autor dos livros Inteligência Emocional e Como Lidar com as Emoções Destrutivas, este o relato do encontro dos cientistas com o Dalai Lama.
“Focalizar a atenção no mundo interior, como se faz na meditação, é uma situação terapêutica”, diz o psicólogo José Roberto Leite, coordenador do instituto de medicina comportamental da Unifesp.
Apaziguar a mente, os cientistas estão descobrindo agora, pode reduzir o nível de ansiedade e corrigir comportamentos pouco saudáveis.
O cardiologista Herbert Benson, da Universidade Harvard, um dos maiores pesquisadores da meditação e do poder das crenças na promoção da saúde, chega a estimar em seu livro Medicina Espiritual que 60% das consultas médicas poderiam ser evitadas se as pessoas apenas usassem a mente para combater as tensões causadoras de complicações físicas.
Há um leque de modalidades para quem deseja meditar, mas a receita básica é a mesma: concentração.
Vale concentrar-se na respiração, uma imagem (um ponto ou uma imagem de santo), um som ou na repetição de uma palavra (o famoso mantra, como “ohmmm”, por exemplo).
Parar de pensar equivale a ficar quase que exclusivamente no presente. Faz sentido.
Os pensamentos são feitos basicamente de duas substâncias: as idéias e experiências que ouvimos, vivemos ou aprendemos no passado e os planos e apreensões que temos para o futuro.
É naqueles raros momentos em que o meditador consegue livrar-se desses ruídos que surgem os sentimentos comuns nas descrições de iogues famosos: sensação de estar ligado com o Universo ou ter uma superconsciência do mundo.
Meditar é, portanto, concentrar-se em cada vez menos coisas, inibindo os sentidos e esvaziando a mente. Tudo isso sem perder o estado de alerta, ou seja, sem dormir.
A meditação ajuda a controlar a ansiedade e a aliviar a dor? Ao que tudo indica, sim.
Nessas duas áreas os cientistas encontraram as maiores evidências da ação terapêutica da meditação, medida em dezenas de pesquisas.
Nos últimos 24 anos, só a Clínica de Redução do Estresse da Universidade de Massachusetts monitorou 14 mil portadores de câncer, aids, dor crônica e complicações gástricas.
Os técnicos descobriram que, submetidos a sessões de meditação que alteraram o foco de sua atenção, os pacientes reduziram o nível de ansiedade e diminuíram ou abandonaram o uso de analgésicos.
Resultado: as queixas de dor, segundo o diretor da clínica, Jon Kabat-Zinn, diminuíram, em média, 40%.
No hospital da Unifesp, em São Paulo, a meditação é indicada para pacientes com fibromialgia (dores nos músculos e articulações), fobias e compulsões.
O desempenho antiestresse da meditação, segundo estudos das universidades americanas Stanford e Columbia, acontece porque a mente aquietada inibe a produção de adrenalina e cortisol – hormônios secretados nas situações de estresse – , ao mesmo tempo que estimula no cérebro a produção de endorfinas, um tranquilizante e analgésico natural tão poderoso quanto a morfina e responsável pela sensação de leveza nos momentos de alegria.
Mas ainda há muita coisa para ser descoberta sobre o mantra e os pesquisadores estão debruçados sobre os meditadores, tentando entender como é que um ato tão simples causa tantas modificações.
A possibilidade de alterar em profundidade o cérebro, apenas meditando, talvez possa no futuro ajudar a prevenir ou a superar complicações vasculares a custo bem mais baixo que o das cirurgias.
Ou a romper condicionamentos e redirecionar as mentes de indivíduos anti-sociais – o que, aliás, vem sendo testado com relativo êxito.
Passo a passo: há várias maneiras de meditar, mas a regra básica é a mesma: atenção
Sentado
No chão ou em uma cadeira, mantenha a coluna ereta e concentre-se nos movimentos da respiração, observando a entrada e a saída do ar pelas narinas.
Se preferir, concentre-se num mantra, que pode ser qualquer palavra, uma frase ou apenas um murmúrio.
Repita seu mantra a cada expiração.
Fechar os olhos pode ajudar. Se ficar de olhos abertos, concentre o olhar em um ponto.
Em pé
Posicione-se junto a uma fileira de árvores e tente se sentir como uma delas.
Concentre-se na respiração e imagine seus pés desenvolvendo raízes no chão.
Caminhando
É uma boa saída para quem, por algum motivo, não consegue ficar imóvel.
O segredo é focar as pisadas, vendo-as como um todo ou como segmentos do movimento, que pode ser lento ou acelerado.
Melhor caminhar em círculo, sem a expectativa de um ponto de chegada.
Visualização
Crie uma imagem significativa para você – pode ser um símbolo religioso ou uma paisagem – e concentre-se nela.
Literatura recomendada:
A Mente Alerta, Jon Kabat-Zinn, Objetiva, Rio de Janeiro, 2001
Meditação e os Segredos da Mente, Susan Andrews, Instituto Visão Futuro, Porangaba, 2001
A Resposta do Relaxamento, Herbert Benson, Nova Era, 1995
Medicina Espiritual, Herbert Benson, Campus, Rio de Janeiro, 2003
Fragmento do artigo da Revista Superinteressante - Outubro 2003
Fragmento do artigo da Revista Superinteressante - Outubro 2003
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